É admissível em pleno ano de 2018 ser contrário às cotas raciais no Brasil? Claro que sim. Partindo do pressuposto de que vivemos num Estado Democrático de Direito e de que, num Estado como tal, são livres o pensamento e a expressão, ressalvadas, obviamente, aquelas manifestações atentatórias à existência de grupos específicos, como o racismo, o machismo, a homofobia e a xenofobia, tenho que é possível, sim, ter opinião contrária às cotas raciais. No entanto, ao fazê-lo, deve-se ter o cuidado de não negar a outros aquilo que já beneficiou a uns. Me valerei de uma pequena série de três artigos a serem publicados em sequência para expor os motivos dessa minha cautela, sendo este o primeiro.
Dito isto, vamos ao ponto: O Brasil é um país pródigo em cotas desde sua origem, de maneira que muitos dos grupos que hoje se encontram em posição de privilégio social, na verdade, o são em grande parte porque num dado momento histórico seus ascendentes foram beneficiados, em maior ou menor grau, por cotas instituídas pelo Estado. Especificamente no período que sucedeu à Independência do Brasil, em 1822, o incentivo à "importação" de europeus fez parte da estratégia de consolidação do território brasileiro, servindo como fundamento, inclusive, para a concessão de subsídios estatais para o traslado, assentamento e equipamento de europeus que aqui viessem a se estabelecer. Exemplo dessa política foi a criação da Colônia de São Leopoldo em 1824, que recebeu imigrantes alemães numa área concedida pelo Império que se estendia de onde hoje se localiza o município de Taquara até Caxias do Sul.
A política do Primeiro Império não foi muito longe, é verdade. Latifundiários portugueses assustados com a possibilidade de perder suas terras e com os custos daquilo que chamavam de "prodigalidade ostentosa" se insurgiram contra essa política de imigração e, em 1830, impuseram a suspensão dos créditos imperiais para a colonização europeia. Em 1831, Dom Pedro I abdicou o trono e o incentivo à vinda de europeus foi paralisado pelo menos até a década seguinte, quando, então, tomaria novo impulso. Este não é um texto acusatório, como também não serão os próximos desta pequena série. Não se desconhece que imigrantes europeus trabalharam muito para transformar os grotões em que foram alocados nas potências econômicas que são hoje. Mas não podemos desconsiderar que nem nesse período, nem nos posteriores, pelo menos até as últimas décadas, negros e índios nunca foram contemplados com qualquer política efetiva de acesso a benefícios estatais. Em suma, eles nunca se beneficiaram das cotas que beneficiaram os europeus.
As históricas cotas brasileiras não se resumiram ao reinado de Dom Pedro I. Foram reeditadas com modificações nas décadas seguintes e, de certo modo, se fazem sentir até hoje, mas isso, senhores leitores, ficará para os artigos seguintes. Espero ansiosamente que acompanhem.